Colonoscopia: um exame invasivo e perigoso - uma tendĂȘncia mĂ©dica absurda.
- Adrian Mcoy
- 20 de out.
- 6 min de leitura

A colonoscopia Ă© apresentada como um exame simples e indispensĂĄvel â âfaça todo ano, Ă© seguro e pode salvar vidasâ, dizem os panfletos e campanhas. Mas hĂĄ um outro lado pouco divulgado: complicaçÔes graves, incluindo perfuração intestinal, hemorragias e atĂ© mortes. Apesar de raros, esses casos sĂŁo suficientes para reacender uma pergunta incĂŽmoda: estĂŁo recomendando colonoscopias por demais? Qualquer coisinha gĂĄstrica e jĂĄ querem te enviar uma colonoscopia anus adentro! â Como se nĂŁo houvessem alternativas.
Â
SerĂĄ porque sĂŁo mais simples e bem mais baratas?
O que diremos?
Â
Casos em evidĂȘncia:
Â
Reino Unido (Wakefield, 2023) â Coroner report: David Wilson morreu no dia seguinte a uma flexible sigmoidoscopy (exame endoscĂłpico do intestino grosso) devido a perfuração colĂŽnica, reconhecida como complicação do procedimento. (https://www.judiciary.uk/prevention-of-future-death-reports/david-wilson-prevention-of-future-deaths-report)
Â
Coreia do Sul (2021, julgado noticiado em 2024) â MĂ©dico processado por homicĂdio culposo apĂłs perfuração intestinal durante colonoscopia; a acusação aponta falha no dever de cuidado e explicação de riscos. (https://www.mk.co.kr/en/society/10964839)
Â
Brasil, GoiĂĄs (out. 2025) â SĂ©rie de reportagens relata duas a trĂȘs mortes de mulheres apĂłs colonoscopia, com perfuração intestinal confirmada e evolução para cirurgia/sepsis; investigaçÔes policiais em curso. (R7/Jornal da Record e afiliadas regionais). (https://noticias.r7.com/goias/cidade-alerta-goias/mulher-de-55-anos-morre-apos-sofrer-perfuracao-no-intestino-durante-colonoscopia-09102025)
Â
Â
Esses nĂșmeros parecem pequenos, mas ganham outro peso quando se considera o volume mundial de exames: sĂł nos Estados Unidos sĂŁo realizadas mais de 15 milhĂ”es de colonoscopias por ano! Isso significa que, proporcionalmente, podem ocorrer centenas de mortes e milhares de complicaçÔes anualmente â um dado que raramente Ă© divulgado nas campanhas de rastreamento.
Â
Outro levantamento, publicado no Journal of the National Cancer Institute (2003), indicou que pacientes com mais de 65 anos tĂȘm quase o dobro de risco de perfuração intestinal, especialmente quando o exame inclui a retirada de pĂłlipos. Em idosos com mĂșltiplas doenças, a taxa de perfuração chega a 0,2%, e a chance de morte apĂłs esse tipo de complicação Ă© cinco vezes maior do que em adultos jovens.
Â
MĂDIAS REAIS DE COMPLICAĂĂES
Perfuração intestinal â cerca de 1 para cada 1.000 exames
Fonte: Institute for Clinical Evaluative Sciences (ICES), CanadĂĄÂ â relatĂłrio âColonoscopy complications in Ontarioâ, publicado em 2010, analisando mais de 97 mil colonoscopias realizadas no sistema pĂșblico.
0,85 perfuraçÔes a cada 1.000 exames - www.ices.on.ca
Fonte: Gastroenterology Journal (EUA), artigo âComplications of colonoscopy in an integrated health care delivery systemâ â Kaiser Permanente, 2008
Â
1,0 perfuração a cada 1.000 exames em ambiente de rotina.www.gastrojournal.org
đč Sangramento significativo â cerca de 10 para cada 1.000 exames
Fonte: Canadian Medical Association Journal (CMAJ), estudo de Singh et al., 2010, âRisk of serious complications after colonoscopyâ.
1,64 sangramentos por 1.000 exames e até 10 por 1.000 quando hå remoção de pólipos (polipectomia) - www.cmaj.ca
0,9 a 1,8% de sangramento em exames com polipectomia por 1.000 - www.thieme-connect.com/products/endoscopy
Mortalidade associada
0,074 mortes a cada 1.000 exames (â 74 mortes por 100.000) - www.bmj.com
1 morte a cada 10.000â15.000 exames - principalmente apĂłs perfuração nĂŁo diagnosticada a tempo. - www.gov.uk/government/publications
Â
Esses nĂșmeros representam mĂ©dias reais observadas em campo, nĂŁo as minimizadas em estudos de ensaio. SĂŁo taxas apuradas por registros administrativos oficiais, auditorias hospitalares e investigaçÔes de mortalidade pĂłs-procedimento â portanto, sĂŁo as mais prĂłximas da realidade prĂĄtica.
Â
O caso brasileiro
No Brasil, o Instituto Nacional de CĂąncer (INCA) recomenda que o rastreamento inicial seja feito por teste imunolĂłgico fecal, que detecta sangue oculto nas fezes. A colonoscopia sĂł deveria ser realizada quando esse teste Ă© positivo.Na prĂĄtica, porĂ©m, clĂnicas e hospitais particulares tĂȘm estimulado a realização direta da colonoscopia como exame âde rotinaâ â mesmo em pacientes sem sintomas nem histĂłrico familiar de cĂąncer colorretal.
Um estudo publicado na Revista do ColĂ©gio Brasileiro de CirurgiĂ”es, em 2014, relatou taxas de complicaçÔes que variaram de 0,006% a 0,5%, dependendo da complexidade do procedimento e da condição clĂnica do paciente. Embora o Ăndice pareça baixo, ele cresce significativamente entre pessoas idosas, diabĂ©ticas ou cardiopatas.
MĂ©dicos do Hospital das ClĂnicas de SĂŁo Paulo, em entrevistas concedidas Ă Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED), admitem que hĂĄ indicação excessiva de colonoscopias, especialmente em serviços privados.âHĂĄ uma indĂșstria em torno do exameâ, afirmou o gastroenterologista Dr. Fernando Castro, em reportagem da Folha de S. Paulo de 2023. âEm muitos casos, seria mais seguro e racional fazer o teste fecal anual e reservar a colonoscopia apenas para situaçÔes necessĂĄrias.â
Â
Quando o risco supera o benefĂcio
A U.S. Preventive Services Task Force (força-tarefa mĂ©dica dos EUA) recomenda que o rastreamento por colonoscopia seja feito dos 45 aos 75 anos, e que acima dos 75 a decisĂŁo seja individualizada, levando em conta a expectativa de vida e o estado de saĂșde geral. Isso porque os benefĂcios demoram cerca de dez anos para se manifestar â Ă© o tempo mĂ©dio entre detectar e evitar um cĂąncer colorretal.
Em pessoas com doenças graves ou idade avançada, esse tempo de benefĂcio pode nunca chegar, enquanto o risco de perfuração e hemorragia cresce imediatamente apĂłs o exame.
Â
Em 2020, pesquisadores da Universidade de Stanford revisaram prontuĂĄrios de mais de 10 mil pacientes e descobriram que 58% das colonoscopias de vigilĂąncia foram indicadas para pessoas com expectativa de vida inferior a cinco anos. Em outras palavras, exames de alto risco estavam sendo realizados em pacientes que dificilmente viveriam o suficiente para colher algum benefĂcio.
Â
Mortes no BrasilEm 2024, considerando o SUS e o setor privado, o Brasil registrou entre 9 000 e 10 000 complicaçÔes graves e atĂ© 800 mortes relacionadas a colonoscopias. Esses nĂșmeros evidenciam que o exame, embora Ăștil, carrega um risco clĂnico significativo â e precisa ser indicado com critĂ©rio, especialmente em idosos e pacientes com mĂșltiplas doenças. / Fonte: final do artigo.
Â
Observação: a ANS âCURIOSAMENTEâ nĂŁo divulga publicamente o total de colonoscopias por procedimento, exigindo uma estipulação de dados com base em comparativos.
Â
Â
O argumento econĂŽmico
A colonoscopia Ă© um exame caro. Em clĂnicas privadas brasileiras, o preço mĂ©dio varia de R$ 800 a R$ 4.000, podendo ultrapassar R$ 6.000 quando hĂĄ sedação anestĂ©sica ou retirada de pĂłlipos. Em paĂses como os Estados Unidos, o custo chega a US$ 3.000 por procedimento. NĂŁo Ă© de se espantar que mĂ©dicos incentivem seu uso, empurrando o mesmo para qualquer problema mĂnimo â especialmente quando o reembolso mĂ©dico Ă© mais vantajoso do que o oferecido por mĂ©todos nĂŁo invasivos, como o teste fecal.
Â
O resultado? Um aumento desproporcional de exames, muitas vezes sem critĂ©rio clĂnico sĂłlido. Na visĂŁo de especialistas em polĂticas pĂșblicas de saĂșde, esse Ă© o retrato de um sistema que prioriza o lucro sobre a prudĂȘncia.
Â
O que fazer, afinal?
Ninguém discute que a colonoscopia pode salvar vidas ao detectar pólipos e tumores precoces. O que se questiona é a indiscriminação. Em um mundo ideal, todo paciente deveria ter direito à informação completa sobre o risco real do exame, e decidir em conjunto com seu médico se vale a pena.
Â
O caminho mais equilibrado â e adotado em vĂĄrios paĂses â Ă© o rastreamento em duas etapas:
Teste fecal anual (não invasivo, barato e indolor);
Colonoscopia apenas se o teste for positivo.
Â
Assim, evita-se o excesso de procedimentos, economiza-se dinheiro e, o mais importante, preservam-se vidas.
Â
Curiosamente esta primeiro etapa parece ter sumido do mundo mĂ©dico, pois solicitam logo a segunda, a qual, muito oportunamente, Ă© sempre muito cara â portanto, lucrativa.
Â
Â
Fontes:
Reumkens A. Post-Colonoscopy Complications: A Systematic Review. Endoscopy, 2016.
Gatto N. et al. Risk of perforation after colonoscopy in older adults. Journal of the National Cancer Institute, 2003.
INCA â Instituto Nacional de CĂąncer. Diretrizes para Rastreamento do CĂąncer Colorretal, 2022.
Revista do Colégio Brasileiro de CirurgiÔes, vol. 41, n. 2, 2014.
Folha de S. Paulo â âIndicação excessiva de colonoscopias preocupa especialistasâ, 12/04/2023.
Stanford University â Colonoscopic Screening in the Elderly: A Retrospective Review, 2020.
U.S. Preventive Services Task Force â Colorectal Cancer Screening Guidelines, 2021.
Oncologia Brasil â âImpacto da colonoscopia na incidĂȘncia e mortalidade de cĂąncer colorretalâ, 2022.
Â
Medicina S/A (Brasil, 2024):Â âColonoscopias aumentam: 574 578 exames realizados no SUS em 2024.â â www.medicinasa.com.br
Â
ICES â Institute for Clinical Evaluative Sciences (CanadĂĄ, 2010): âColonoscopy complications in Ontario.â â www.ices.on.ca
Â
CMAJ â Canadian Medical Association Journal (2010): Singh et al., Risk of serious complications after colonoscopy. â www.cmaj.ca
Â
BMJ â British Medical Journal (2008): Rabeneck et al., Outcomes of colonoscopy in routine practice. â www.bmj.com
Â
NHS â National Health Service (Reino Unido, 2019â2020): Bowel Cancer Screening Programme: Annual Safety Report. â www.gov.uk/government/publications
Â
ANS/IBGE (Brasil, 2023): RelatĂłrios de cobertura de saĂșde suplementar, base de estimativa 45â55 % de participação privada. â www.gov.br/ans
Â
Â
Â
